Era noite. Passava das onze.

Eu, no sucumbir de um dia cansativo, quase pronta para dormir. Porém, faltava um papel. Meu computador já estava ligado, o arquivo a ser impresso, aberto.

Era simples, bastava um sutil movimento. De forma calma e pacífica movi lentamente minha mão em direção a ela. Hoje, um dia frio, minha mão com sua luva até acariciava ao tocá-la. Ela ligou. Olhou para mim de forma simpática, encarou-me de forma que iria me abraçar. Eu tinha certeza: hoje a impressora iria imprimir.

Em retribuição soltei um olhar, o mais carinhoso que consegui simular após um longo dia. Eu podia jurar que a impressora havia agradecido. Sem mais delongas apertei “imprimir”.

Então eu esperei. E continuei esperando. Voltei a olhar a impressora, ela guardava o mesmo olhar singelo com o qual havia me agraciado da primeira vez que a liguei. Quanta graciosidade em tão simples máquina cuja função não é outra, senão engolir e vomitar papel.

Aos poucos minhas mãos começavam a se retorcer dentro da luva. O frio e o cansaço começaram a pedir espaço. Tentei olhar com um pouco menos de magia para a minha querida companheira. Dessa vez ela não retribuiu o olhar. Nesse momento o jogo mudou.

Eu sabia, não seria dessa vez. Desliguei a bandidinha. E voltei a ligá-la. O olhar com o qual ela me encarava já era uma mistura de desgosto, maldadinha e coração peludo – se é que tão malvada máquina poderá, um dia, possuir um coração. Eu ameacei abri-la. Ela insistia em não dar nenhum alerta para justificar tamanha invasão: não havia papel atolado, afinal, há algumas horas ela recusava-se a engolir qualquer papel.

Tentei burlar. Coloquei papel de bala. Dadinho. Chocolate. Afinal, se ela gosta de comer talvez queira provar algo diferente. Com seu olhar cada vez mais alucinante ela recusava-se. Era o limiar da revolta de uma máquina contra um homem. Uma mulher, no caso.

Então, em um surto de fúria, eu a abri! Estraçalhei seus cartuchos. Mesmo em meu mais intenso ataque de desamor com todo o cuidado do mundo, contra todos meus instintos, limpei cada uma das boquinhas do cartucho, realinhei-o e tornei a fechá-la. Agora sairia meu papel.

E foi com esse sentimento que passamos a noite. Eu a encarava, ela retribuía o olhar, sem sequer fazer um mínimo movimento.

Eram 6 da manhã. Eu decidi, agora vou a um xerox.

Foi minha salvação, quando lá cheguei, a máquina de xerox, com todas as suas amigas impressoras sorriam. Era uma terra mágica. O Mundo Mágico de Ox. Xerox. Nunca me senti tão feliz por ter um papel em minhas mãos.

Todas as suas amigas impressoras sorriam. Era uma terra mágica. O Mundo Mágico de Ox. Xerox.

Hoje eu sabia: era chegar em casa e dormir em paz.

Cheguei em casa. Pisei no chão. Escorreguei. Cai. Em torno de mim encontravam-se ao menos 50 cópias do mesmo papel que eu havia impresso no Mundo Mágico de Ox. Ela somente piscou para mim e voltou a dormir tranquilamente.

Amanhã talvez ela imprima.