Lembro bem que quando criança eu costumava andar descalça. Lembro de sentir o gelado dos azulejos da cozinha e também as pequenas pedrinhas do chão de cimento do lado de fora de casa. Lembro ainda de pisar na grama, molhar o pé, lama. Eu nem ligava para isso. Como era bom pisar no chão. Como era bom me sujar.

Meus olhos costumavam brilhar com mais facilidade. Um azulejo mais quente que o outro, a grama com mais ou menos terra, coisas pequenas que eu facilmente notava e faziam diferença. Eu era pequena e meu mundo também o era. Mas os detalhes… quantos detalhes sutis que tocavam minha alma de forma tão singular. Uma grama em meio a um milhão delas que tinha um formato diferente era suficiente para me fazer rir. Parecia que tocar o chão, sentir a terra, não eram apenas gestos, eram pequenas pílulas que alimentavam a alma e assim, quando a alma funcionava os olhos automaticamente brilhavam. Uma máquina complexamente simples que fazia tudo ser feliz por apenas ser.

Mas eu perdi isso. Acho que todos nós perdemos. Poucas vezes me deixo sentir os detalhes ou olho para as pequenas coisas. Não importa o quanto a gente se esforce, o cuidado com o pequeno e simples parece ser uma dádiva aos que dizemos não saber muito sobre a vida.

Com a vida aprendi que precisamos ser grandes, fortes, poderosos, ricos e bons exemplos. Deixamos de lado todos os detalhes que nos cercam enquanto isso. A vida duramente nos ensina sobre as perdas, saudades, tristezas, dificuldades e um bilhão de tantos outros problemas que nos tornam adultos. Crescemos mas não viramos grandes. Somos apenas adultos.

Talvez hoje seja um dia para diminuir, deixar de crescer, abaixar, olhar a sua volta. Lembra quando foi a última vez que salvou uma formiga? Ou a última vez que comemorou por ver a chuva? Hoje corremos da garoa porque molha, quando, talvez nós devêssemos ficar na garoa, justamente por isso, porque molha. Como é bom se molhar… E olhar o sol? Como era bom tentar olhar para o Sol sem medo de se queimar, sentir a vida. Tudo aquilo, todos os um bilhão de detalhes que estão conosco e deixamos de lado são aquilo que nos faz vida. Não precisamos ser grandes, fortes, poderosos ou bons exemplos. Precisamos ser vida, e sendo isso consequentemente seremos muito mais.

Hoje eu só quero tirar meus sapatos. Quero apenas brilho nos olhos e pés no chão.